Boa governação

Boa governação
良政善治

Boa governação / 良政善治

Boa governação / 良政善治

RESUMO

O termo “boa governação” (善治) foi referido pela primeira vez num documento de alto nível do partido em 2014.[1] Hoje em dia, está firmemente estabelecido no vernáculo político. No discurso do Partido-Estado, o enfoque reside na prestação eficiente de serviços públicos, combatendo a corrupção e os abusos de poder dentro do PCC e estabelecendo uma governação assente na lei, ou seja, codificando políticas e medidas em leis e regulamentos. Os objetivos principais são aumentar a prosperidade e salvaguardar os direitos coletivos, sobretudo a ordem pública e a segurança, e não a participação política institucionalizada de atores e cidadãos não governamentais independentes. O aumento da monitorização através de meios digitais e leis e regulamentos que restringem severamente as liberdades individuais é regularmente caracterizado como boa governação. Isto é claramente diferente das definições mais amplas de boa governação estabelecidas pela ONU e pela UE, que abrangem fatores como eficiência, responsabilização, transparência, inclusividade do Estado de direito, participação cívica e proteção das minorias sociais.[2] Os quadros da ONU e da UE preveem explicitamente uma estreita cooperação com os atores não governamentais e colocam forte ênfase na proteção dos direitos humanos, incluindo os direitos civis e políticos.

ANÁLISE

O uso do termo “boa governação” no discurso oficial chinês surgiu no início da década de 2000, em consonância com as discussões a nível mundial sobre a boa governação. Enquanto, no quadro da ONU, o termo se expandiu para incluir a proteção dos direitos civis, a participação pública e o envolvimento de atores não governamentais em todos os assuntos públicos, os académicos e os dirigentes filiados no partido

criticaram esta abordagem de “abarcar tudo” e defenderam que se mantivesse a proximidade com a definição original do conceito na ciência administrativa.[3]

Isto significa o foco numa governação eficiente, a contenção da corrupção e dos abusos de poder e o reforço do quadro jurídico e regulamentar, em vez de permitir que os direitos institucionalizados dos cidadãos e das partes interessadas não governamentais tenham uma palavra a dizer.

Em vez disso, o enfoque principal está nos benefícios materiais e no sentido do progresso e ganho individual (获得感) para os cidadãos individuais concedidos pelo Estado.[4]

Sobretudo no contexto da COVID-19, o sistema chinês de governação foi promovido como uma alternativa viável e, em última análise, superior na salvaguarda e fornecimento de bens públicos, como a segurança e a saúde, uma alternativa não restringida por um enfoque nos direitos e interesses individuais. Este foco na legitimidade da produção também se reflete na terminologia (良政善治). A melhor tradução da palavra mais utilizada, shanzhi (善治), será governação “benevolente”. O termo deriva da filosofia política tradicional e é enquadrado pela liderança política como uma continuação das escolas de pensamento chinesas.[5] O termo lianzheng (廉政), frequentemente utilizado como sinónimo ou em conjunto com shanzhi, conota especificamente a governação como incorrupta ou “limpa”.

Esta interpretação restritiva está de acordo com o discurso político-ideológico do PCC que enfatiza a liderança absoluta do partido, que foi ainda mais codificada na Constituição chinesa em 2018. O objetivo principal é garantir que o PCC cumpre bem o seu papel na governação do país. A ordem pública, a estabilidade social – ou seja, a ausência de protestos – e a oferta de crescimento económico são vistas como referências fundamentais do sucesso. A forte ênfase nos bens comuns mais elevados da ordem pública e da segurança significa que mesmo as leis que restringem fortemente as liberdades civis são consideradas pilares importantes da boa governação.

Por exemplo, a introdução da Lei de Segurança Nacional para Hong Kong e das medidas coercivas de reeducação em Xinjiang foram aclamadas como passos para uma boa governação, apesar dos conflitos com as normas dos direitos humanos internacionais.[6]

O conceito de boa governação está também estreitamente associado a novas iniciativas que ampliam a utilização das tecnologias digitais. XI Jinping tem vindo a promover o novo conceito de “governação inteligente” baseada na monitorização, ou seja, supervisão rigorosa e digitalmente apoiada e governação disciplinar pelo PCC e instituições públicas, bem como empresas e cidadãos.[7] Esta campanha para modernizar a governação enfatiza o controlo tecnocrático e baseado em dados, sob a liderança e supervisão centralizadas do PCC, em vez de partilhar as responsabilidades de guardião com atores não governamentais ou com os meios de comunicação social, e é apresentada como um modelo mais eficiente e superior à abordagem ocidental da governação e ao seu enfoque no Estado de direito e na supervisão do poder estatal através da separação de poderes e da liberdade de imprensa.[8]

[1] Gabinete de Compilação e Tradução do Comité Central do Partido Comunista Chinês, “Communique of the 4th Plenary Session of the 18th Central Committee of CPC”, China.org.cn, 23 de outubro de 2014, http://www.china.org.cn/china/fourth_plenary_session/2014-12/02/content_34208801.htm

[2] Ver: Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACDH), “About Good Governance”, ACDH, https://www.ohchr.org/EN/Issues/Development/GoodGovernance/Pages/AboutGoodGovernance.aspx, e Parlamento Europeu, Direção Geral das Políticas Externas, “Good Governance in EU External Relations: What role for development policy in a changing international context?”, Parlamento Europeu, 2016, www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2016/578012/EXPO_STU(2016)578012_EN.pdf

[3] K., Yu, “Governance and Good Governance: A New Framework for Political Analysis”, Fudan Journal of the Humanities and Social Sciences volume, vol. 11, p. 1-8, 12 de outubro de 2017, https://doi.org/10.1007/s40647-017-0197-4

[4] P., Wang, C., Li, “新时代国家治理的良政基准与善治标尺——人民获得感的意蕴和量度” [“A norma e a referência da boa governação na nova era da governação: significado e avaliação do sentido de ganho do povo”], PKU Research Center for Chinese Politics, 23 de janeiro de 2019, https://www.rccp.pku.edu.cn/mzyt/90515.htm

[5] P., Li, “中国传统文化与”善治”理论创化” [“A cultura tradicional chinesa e a criação de uma teoria de “boa governação”], Qiushi, 30 de março de 2019, http://www.qstheory.cn/zhuanqu/bkjx/2019-03/30/c_1124304757.htm

[6] Xinhua News Agency, “National security law to boost good governance in Hong Kong: experts”, Xinhua News Agency, 9 de julho de 2020, http://www.xinhuanet.com/english/2020-07/09/c_139200480.htm

[7] C., Fu, “全面推进智慧治理 开创善治新时代” [“Promover de forma abrangente a governação inteligente e criar uma nova era de boa governação”], People’s Daily Online, 27 de abril de 2021, http://theory.people.com.cn/n1/2018/0427/c40531-29953671.html

[8] W., Zhang, “西方之乱与中国之治的制度原因” [“Causas institucionais da desordem no Ocidente e da governação firme na China”], Qiushi, 2 de agosto de 2017, http://www.qstheory.cn/dukan/qs/2017-08/02/c_1121422337.htm