Cultura

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RESUMO

A UNESCO define cultura essencialmente como “o conjunto de caraterísticas espirituais, materiais, intelectuais e emocionais distintivas da sociedade ou de um grupo social que engloba, não só a arte e a literatura, mas estilos de vida, formas de viver em conjunto, sistemas de valores, tradições e crenças”.[1] No entanto, para o Partido Comunista Chinês, a cultura é, antes de mais, profundamente política, uma das várias “frentes” na luta do Partido contra os seus inimigos e críticos, tanto internos como externos.[2] Nas suas observações perante o Fórum Yan’an sobre Literatura e Arte em 1942, Mao Tse Tung deixou claro que “a arte e a literatura [têm de] seguir a política”.[3] Embora a indústria cultural da China tenha crescido a passos largos no período pós-Mao da reforma e da abertura da China, manteve-se a pretensão do Partido de ser o coração político da cultura. Sob a liderança de Xi Jinping desde o final de 2012, a cultura foi renovada como uma prioridade política em torno de ideias como “construir [a China como] uma potência cultural” (建成文化强国), garantir a “segurança cultural” (文化安全) e mobilizar-se contra a “hegemonia cultural” dos Estados Unidos e do Ocidente.[4] A cultura é um meio tanto para fazer avançar o poder e a legitimidade do Partido como para fortalecer o PCC contra ameaças à sua legitimidade a nível global.

ANÁLISE

Durante grande parte da era moderna, a relação da China com a cultura tem estado repleta de contradições. Durante o Movimento da Nova Cultura da década de 1920, um novo tipo de estudiosos, escritores e ativistas procurou eliminar a influência das ideias confucianas tradicionais, que culpavam pela fraqueza da China, e criar uma nova sociedade baseada nos ideais ocidentais da ciência e da democracia. Mas mesmo que a China olhasse para o Ocidente, as noções de cultura estavam intimamente associadas à experiência do imperialismo desde meados do século XVIII. Um artigo influente, escrito em 1923, na sequência
do Movimento de Quatro de Maio, alertou para a “invasão cultural”, caracterizada como o último dos quatro meios pelos quais o imperialismo ocidental se abatia sobre a China.[5] Nas suas observações ao Fórum Yan’an sobre Literatura e Arte em 1942, Mao Tse Tung falou sobre o poder “da caneta e da arma” e a importância da frente cultural e militar, palavras que ficaram famosas.[6] Durante a Revolução Cultural (1966-1976), grupos zelosos dos chamados Guardas Vermelhos entraram numa onda nacional de destruição cultural numa campanha para esmagar os “Quatro Velhos” – velhas ideias, velha cultura, velhos hábitos e velhos costumes. Esta foi a primeira de sucessivas ondas de destruição que se estenderam por uma década e que resultaram em custos culturais e humanos incalculáveis.

O fim da Revolução Cultural trouxe um crescente reconhecimento de que os excessos políticos da década anterior tinham decorrido em grande parte do domínio esmagador das mensagens culturais e políticas de Mao Tse Tung. A relativa abertura da década de 1980 trouxe um ambiente de “febre cultural”, com mais criatividade e busca da verdade nos meios de comunicação social e nas artes.[7] Esta situação teve um fim dramático com a violenta repressão das manifestações pró-democracia na China, em junho de 1989. O enfoque do PCC virou-se para uma combinação destinada a manter o controlo político do Partido sobre a cultura e os meios de comunicação social, impulsionando simultaneamente o desenvolvimento comercial e “uma cultura do socialismo com caraterísticas chinesas“.[8] A ideia de que a cultura é “uma componente importante do poder nacional abrangente” (综合国力的重要标志) foi introduzida em 1997.[9] Uma década mais tarde, a China começou a dar prioridade à diplomacia pública e ao desenvolvimento do “poder de influência”, embora apenas com resultados limitados, e iniciou uma campanha mediática global na qual o governo gastou cerca de 45 mil milhões de yuan para expandir os meios de comunicação social estatais no estrangeiro.[10]

Desde 2012, sob a liderança de Xi Jinping, a cultura chinesa como um recurso de poder nacional abrangente tem sido uma das grandes prioridades para a liderança. XI Jinping falou sobre a necessidade de “reforçar a confiança cultural e construir um poder cultural socialista” (坚定文化自信,建设社会主义文化强国).[11] Os líderes chineses e os meios de comunicação social estatais defendem que a força cultural global da China, que inclui a sua capacidade de compensar as críticas e “contar bem a história da China”, é essencial para “destruir a hegemonia cultural do Ocidente” (打破西方文化霸权) e mudar a “relação desigual” com o Ocidente.[12] Esta interpretação da cultura e do seu valor político está intimamente associada à noção nacionalista da era Xi do “sonho chinês” do “grande rejuvenescimento da nação chinesa” e à promessa do PCC de devolver à China o seu lugar no centro dos assuntos globais.[13] No seu relatório político ao IX Congresso Nacional do PCC em 2017, Xi Jinping afirmou: “Sem um elevado nível de confiança cultural, sem uma cultura gloriosa e florescente, não pode haver um grande rejuvenescimento da nação chinesa.”[14]

[1] Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), “Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural”, UNESCO, 2 de novembro de 2001, http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=13179&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html

[2] B., Wang, “迈出文化建设坚实步伐,提升国家文化软实力” [“Construir a cultura avançando a passos largos com robustez, elevar o poder de influência cultural das nossas nações”], Guangmingwang, 9 de novembro de 2020, https://www.gmw.cn/xueshu/2020-11/09/content_34352493.htm

[3] Mao Tse Tung, “在延安文艺座谈会上的讲话” [“Conversas no Fórum Yan’an sobre Literatura e Arte”], 1942, Marxists Internet Archive, https://www.marxists.org/chinese/maozedong/marxist.org-chinese-mao-194205.htm

[4] Renmin Ribao, “大搞文化霸权,威胁全球文化安全: 美方威胁全球安全的真面目” [“Fazer a hegemonia cultural vigorosamente, ameaçando a segurança cultural a nível mundial: a verdade sobre a ameaça dos EUA à segurança global”], people.cn, 1 de novembro de 2020, http://paper.people.com.cn/rmrb/html/2020-11/01/nw.D110000renmrb_20201101_6-03.htm

[5] Q., Qu, “帝国主义侵略中国之各种方式” [“As diferentes formas de o imperialismo invadir a China”], publicado pela primeira vez a 26 de maio de 1923, Marxists Internet Archive, https://www.marxists.org/chinese/quqiubai/mia-chinese-qqb-19230526.htm

[6] Mao Tse Tung, “Conversas no Fórum Yenan sobre Literatura e Arte”, 1942, Marxists Internet Archive, https://www.marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-3/mswv3_08.htm

[7] S., Ma, “The Role of Power Struggle and Economic Changes in the “Heshang phenomnon” in China”,
Modern Asian Studies, vol. 30, no. 1, 2008, p. 29.

[8] Fangxian Renmin Zhengfu, “新中国70年社会主义文化建设及其经验” [“70 anos de experiência no estabelecimento da cultura socialista na Nova China”], Fangxian Renmin Zhengfu, 10 de julho de 2019, http://www.fangxian.gov.cn/xwzx_31730/llwz_31742/201907/t20190710_1777753.shtml

[9] Jiang Zemin, “江泽民:在中国共产党第十五次全国代表大会上的报告” [“Relatório político de Jiang Zemin ao XV Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês”], Fudan Daxue, http://dangxiao.fudan.edu.cn/59/a1/c9736a88481/page.htm

[10] Ver: D., Bandurski, “A softer touch on soft power”, China Media Project, 26 de janeiro de 2015, https://chinamediaproject.org/2015/01/26/a-softer-touch-on-soft-power/, e South China Morning Post, “Beijing in 45b yuan global media drive”, South China Morning Post, 13 de janeiro de 2009, https://www.scmp.com/article/666847/beijing-45b-yuan-global-media-drive

[11] Renmin Ribao, “坚定文化自信,建设社会主义文化强国” [“Reforçar a confiança cultural e construir um poder cultural socialista”], People’s Daily, 16 de outubro de 2017, http://theory.people.com.cn/n1/2017/1016/c40531-29588374.html

[12] W., Li, “建设社会主义文化强国的世界意义” [“O significado global da construção de um poder cultural socialista”], People’s Daily, 27 de outubro de 2016, http://theory.people.com.cn/n1/2016/1027/c40531-28811363.html

[13] CGTN, “Xi Jinping vows ‘strong determination, solid national strength’ to overcome challenges amid COVID-19”, CGTN, 31 de julho de 2020, https://news.cgtn.com/news/2020-07-30/Xi-urges-thorough-reforms-when-meeting-non-Communist-party-personages-SyaqEAfKOA/index.html

[14] Xi Jinping, “习近平在中国共产党第十九次全国代表大会上的报告” [“Relatório político de Xi Jinping ao IX Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês”], People’s Daily Online, 28 de outubro de 2017, http://cpc.people.com.cn/n1/2017/1028/c64094-29613660-9.html