Desenvolvimento / 发展
RESUMO
No contexto euro-americano, o “desenvolvimento” é habitualmente entendido como um processo socioeconómico multidimensional, com dimensões políticas, económicas, sociais, ambientais e culturais. A este respeito, a dimensão política (em especial, a democracia) é considerada essencial para a realização das restantes, razão pela qual a cooperação para o desenvolvimento realça a boa governação, o respeito pelos direitos humanos e a prevenção da corrupção, fazendo frequentemente dos esforços dos beneficiários uma condição para a obtenção de ajuda. O discurso chinês encara o “desenvolvimento” principalmente como um processo de “modernização” centrado na tecnologia. Pensa-se que o “desenvolvimento económico”, através do investimento na construção de infraestruturas de transportes, de energia e digitais, infraestruturas relacionadas com o comércio, capacidades de produção e tecnologia inovadora, deve acompanhar o “desenvolvimento social”. O “desenvolvimento económico e social” é considerado a condição prévia necessária tanto para melhorar a “subsistência das pessoas” – um termo que se refere aos serviços de educação, médicos e de saúde, bem como aos estabelecimentos de bem-estar público – como para o “desenvolvimento ecológico”, que deve ser alcançado através da inovação tecnológica. A China critica os países doadores ocidentais por fazerem das melhorias na boa governação, dos esforços anticorrupção e dos direitos humanos uma condição para a assistência ao desenvolvimento, argumentando que estes aspetos não devem ser colocados acima das questões de desenvolvimento a nível económico e técnico, como a construção de infraestruturas ou o desenvolvimento industrial e agrícola.
ANÁLISE
Por conseguinte, a China rejeita a abordagem da condicionalidade e defende que os doadores devem respeitar o “direito dos países em desenvolvimento a escolher independentemente o seu caminho de desenvolvimento” e centrar-se no “reforço da capacidade de desenvolvimento independente”.[1] Enquanto processo, o desenvolvimento deve ser “autossuficiente” (自力更生, traduzido literalmente como: “regeneração através dos próprios esforços”) e “independente”.
O conceito de desenvolvimento como modernização conduzida pela tecnologia remonta a Sun Yat-sen. Desde então, é entendido como um meio para superar
o “subdesenvolvimento” e o “atraso” que fizeram com que a China perdesse as Guerras do Ópio.[2] Na sequência da Conferência de Bandung de 1955, o Primeiro-ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Zhou Enlai, defendeu que a China considerava a independência económica um pré-requisito para a independência política.[3] Por conseguinte, ao centrar-se no seu próprio desenvolvimento, a China também prestaria assistência a outros países em desenvolvimento, implicando que ajudar estes últimos no seu desenvolvimento económico promoveria a sua independência política em relação ao bloco capitalista liderado pelos EUA. Em 1978, Deng Xiaoping, que sucedeu a Mao Tse Tung como o principal líder do PCC, declarou que o desenvolvimento da China exigia “Quatro Modernizações”: na agricultura, na indústria, na defesa e na ciência e tecnologia. Pouco depois, o ativista dos direitos humanos Wei Jingsheng escreveu um ensaio que foi colocado em exposição no muro da democracia em Pequim, onde pedia ao PCC que acrescentasse “democracia” como uma “Quinta Modernização”, motivo pelo qual foi detido, tendo-se posteriormente exilado nos EUA.[4]
Com Xi Jinping, o desenvolvimento passou a estar ligado aos “objetivos dos dois centenários”: o centenário da fundação do PCC em 2021, altura em que a China deveria ter-se tornado uma “sociedade moderadamente próspera” e o centenário da fundação da RPC em 2049, altura em que a China deverá ter alcançado o “Sonho da China” do “rejuvenescimento” nacional e reivindicar a posição central que perdera através das Guerras do Ópio.
Desde os tempos de Zhou Enlai, a política da China de cooperação internacional para o desenvolvimento pode ser vista como uma externalização da sua agenda de desenvolvimento interno. A linguagem utilizada para descrever os objetivos da ajuda externa da China – para “enriquecer e melhorar a subsistência dos seus povos e promover o seu crescimento económico e progresso social” – é praticamente idêntica à linguagem utilizada quando se fala do desenvolvimento necessário para superar o “atraso relativo” das regiões ocidentais e das minorias nacionais da China.[5] O “Sonho da China” foi alargado a um “Sonho Mundial” de “desenvolvimento comum” (共同发展). No entanto, durante muito tempo, a China manteve que a sua “ajuda externa” (对外援助) a países em desenvolvimento não era “ajuda ao desenvolvimento” (发展援助). Este último termo foi quase exclusivamente utilizado para descrever a ajuda dos doadores ocidentais, incluindo à China. Esta prática foi alterada com Xi Jinping: o Livro Branco “Direito ao Desenvolvimento” (发展权) declara que a China fornece “ajuda ao desenvolvimento” há sessenta anos; o nome da agência de ajuda CIDCA recentemente criada em 2018 significa “Agência de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento da China”, o que implica que a China se vê agora como um fornecedor de desenvolvimento.
[1] Xi Jinping, “中国国家主席习近平26日在纽约联合国总部的南南合作圆桌会上致辞” [“O discurso do presidente chinês Xi Jinping na reunião da Mesa Redonda de Cooperação Sul-Sul na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, no dia 26”], United Nations Radio, 26 de setembro de 2015. http://www.unmultimedia.org/radio/chinese/archives/239165/#.WCSlMtx8Se8 (último acesso a 10 de novembro de 2016, a fonte já não se encontra online)
[2] Sun Yat-sen, The International Development of China, Xangai: Commercial Press, 1920, https://archive.org/details/internationaldev00suny
[3] Zhou Enlai, “周恩来总理兼外交部长关于目前国际形势、我国外交政策和解放台湾问题的发言” [“Discurso do Primeiro-ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros Zhou Enlai sobre a atual situação internacional, a política externa da China e a questão da libertação de Taiwan”], People’s Daily, 28 de junho de 1956, p. 1. http://www.people.com.cn/item/lianghui/zlhb/rd/1jie/newfiles/c1060.html.
[4] “”The Fifth Modernization: Democracy” (1978) By Wei Jingsheng”, in: W. de Bary and R. Lufrano (Ed.), Sources of Chinese Tradition: From 1600 Through the Twentieth Century, vol. 2, Nova Iorque: Columbia University Press, 2000, p. 497-500. http://afe.easia.columbia.edu/ps/cup/wei_jingsheng_fifth_modernization.pdf.
[5] Agência de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento da China (CIDCA), “《中国的对外援助》白皮书” [Livro Branco “Direito ao Desenvolvimento”], CIDCA, abril de 2011, http://www.cidca.gov.cn/2018-08/06/c_129925064.htm