Liberdade de expressão

Liberdade de expressão
言论自由

Liberdade de expressão / 言论自由

Liberdade de expressão / 言论自由

RESUMO

O artigo 35.º da Constituição da China declara que os “[c]idadãos da República Popular da China gozam de liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, de desfile e de manifestação”.[1] Em termos formais, esta redação parece estar de acordo com o artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que declara: “Todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão.”[2] No entanto, na prática, o Partido Comunista Chinês responsável pela governação coloca restrições substanciais ao exercício da liberdade de expressão, vista como potencialmente desestabilizadora do regime. Isto nega essencialmente a segunda metade da cláusula relativa à liberdade de expressão da DUDH, que declara que “este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. O PCC desenvolveu um vasto aparelho humano e tecnológico para garantir que consegue monitorizar e controlar a informação através de todos os canais, tanto online como offline, o que significa uma interferência constante, mesmo em tempo real, no direito dos cidadãos chineses de desfrutarem da liberdade de expressão, mesmo para além das fronteiras da China.

ANÁLISE

A história dos meios de comunicação social e da liberdade de expressão na China desde a década de 1980 tem sido essencialmente marcada pelos esforços constantes da liderança do PCC para equilibrar o imperativo da estabilidade do regime face às prioridades de reforma e do desenvolvimento, tendo estas últimas resultado numa sociedade mais complexa e diversificada, que procurou frequentemente formas de fazer valer os seus direitos e interesses acima e contra os do Partido.

À medida que a política de reforma e abertura se enraizou na China depois de 1978, ocorreu uma certa reavaliação do estado extremo do controlo da imprensa que prevalecera por toda a Revolução Cultural (1966-1976), durante a qual todo o conteúdo da imprensa era dominado por Mao Tse Tung. O termo “reforma das notícias”(新闻改革)foi utilizado com maior prontidão no início da década de 1980 e, à medida que as reformas se foram realizando, nasceu uma forte convicção de que os controlos rigorosos sobre a imprensa e a ideologia tinham contribuído decisivamente para os dolorosos extremos políticos das três décadas anteriores.[3] Foi no contexto deste espírito de reforma que a “liberdade de expressão” foi incluída na Constituição chinesa de 1982.[4] Embora o PCC continuasse a controlar a imprensa na década de 1980, e o jornalismo e a indústria editorial estivessem incorporados no Partido-Estado, houve tentativas de reavaliar o seu papel.

Esta trajetória de reforma assistiu a uma viragem dramática com os acontecimentos de 1989: a repressão do movimento democrático a 4 de junho resultou num novo regime de controlos da expressão sob a liderança de Jiang Zemin em torno de uma política de “orientação da opinião pública” (舆论导向). Isto refletia essencialmente uma convicção renovada na liderança de que a estabilidade do regime, e evitar um colapso ao estilo soviético, era primordial, dependia da “orientação” das ideias e opiniões do público através de um controlo robusto de todos os canais de expressão pelo PCC. Ao longo das décadas de 1990 e 2000, à medida que o desenvolvimento económico aumentava de ritmo e a ascensão da Internet oferecia novos canais de expressão, a China passou por uma era sem precedentes de desenvolvimento dos meios de comunicação social. Isto resultou num notável aumento da atividade profissional entre os meios de comunicação social chineses e mesmo na emergência de reportagens de investigação.[5] Porém, o mandato da “orientação da opinião pública” manteve-se firme e os jornalistas e meios de comunicação social eram constantemente disciplinados. Entretanto, a partir do final da década de 1990, a China desenvolveu um vasto sistema de controlos técnicos e legislativos para a Internet – coletivamente conhecidos como a “Grande Firewall” – bloqueando o acesso ao mundo exterior e censurando conteúdos internamente.[6]

Na era Xi Jinping, os controlos na imprensa e na Internet intensificaram-se, uma vez que o PCC procurou reafirmar o seu domínio sobre todos os canais de comunicação, incluindo a Internet e uma nova geração de redes sociais. Em grande parte, isto deve-
se a um aumento da liberdade de reportagem dos meios de comunicação social e a um envolvimento e críticas online durante a década de 2000.

Em fevereiro de 2016, Xi Jinping reafirmou a supremacia do PCC sobre os meios
de comunicação social
num discurso em que reiterou que os meios de comunicação social deviam ser “apelidados de Partido” (姓党), pedindo-lhes essencialmente que prometessem a sua lealdade ao regime.[7] Sob a poderosa Administração do Ciberespaço da China, formada diretamente sob a liderança central do PCC em 2014, intensificaram-se os controlos na Internet e nas redes sociais e o mandato da “orientação da opinião pública” foi alargado, embora codificado em diretrizes legais, a todos os utilizadores.[8] Perante críticas às suas políticas de controlo dos meios de comunicação social, a China insiste internamente que estas são necessárias para manter a estabilidade como pré-requisito para o desenvolvimento. Os dirigentes salientam frequentemente que “Liberdade de expressão não equivale a expressão livre“, ou seja, indicam que é necessário restringir a expressão no interesse da população em geral.[9]

[1] Congresso Nacional do Povo da República Popular da China, “Constitution of the People’s Republic of China”, Congresso Nacional do Povo da República Popular da China, 2004, http://www.npc.gov.cn/zgrdw/englishnpc/Constitution/node_2825.htm

[2] Nações Unidas, “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, 1948, Nações Unidas, https://www.un.org/en/universal-declaration-human-rights/#:~:text=Everyone%20has%20the%20right%20to%20freedom%20of%20opinion%20and%20expression,media%20and%20regardless%20of%20frontiers.

[3] F., Li, H., Zhang, “从文本到实践:传媒业变革背景下重建中国新闻事业的社会有机性” [“Do texto à prática:
a reconstrução da orgânica social do jornalismo chinês no contexto da transformação da indústria dos meios
de comunicação social”], Zhongguo Shehui Kexueyuan Zhuban, 5 de fevereiro de 2020, http://www.cssn.cn/xwcbx/xwcbx_xwll/202002/t20200205_5085170.shtml

[4] H., Chiu, “The 1982 Chinese Constitution and the Rule of Law”, Occasional Papers, Reprint Series in Contemporary Asian Studies, vol. 69, no. 4, 1985, p. 143

[5] S., L. Shirk (ed.), Changing Media, Changing China, New York, Oxford University Press, 2011

[6] J., Fallows, “The Connection Has Been Reset”, The Atlantic, março de 2008, https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2008/03/the-connection-has-been-reset/306650/

[7] P., Zhang, “China’s top party mouthpieces pledge ‘absolute loyalty’ as president makes rare visits to newsrooms”, South China Morning Post, 19 de fevereiro de 2016, https://www.scmp.com/news/china/policies-politics/article/1914136/chinas-top-party-mouthpieces-pledge-absolute-loyalty

[8] Administração do Ciberespaço da China, “互联网群组信息服务管理规定” [“Disposições relativas à Administração dos Serviços de Informação de Grupo da Internet”], Administração do Ciberespaço da China, 7 de julho de 2017, http://www.cac.gov.cn/2017-09/07/c_1121623889.htm

[9] J., Ge, “言论自由不等于自由言论” [“Liberdade de expressão não equivale a expressão livre”], Ministério da Defesa Nacional da República Popular da China, 9 de outubro de 2017, http://www.mod.gov.cn/jmsd/2017-10/09/content_4794164.htm